segunda-feira, 23 de julho de 2007


Sabe-se que antigamente as famílias atiravam os loucos em embarcações rio abaixo, como cargas insanas. Estas embarcações recebiam o nome de A Nau dos Loucos. Ainda não existiam manicômios e a sociedade implantou o sistema de isolá-los por intermédio da água. De cidade em cidade eles eram rejeitados. Durante séculos, espalharam demência, divertiram as crianças e assombraram a imaginação dos homens medievais. Naquele exato momento, a água era o único e último território habitável. Por isso, pode-se dizer que a água sempre foi coadjuvante da loucura, que água e loucura se relacionaram no passado. Assim como se pode afirmar que hoje a loucura está vinculada às estradas. O andarilho em sua nau de poeira, esta é a imagem poética da demência moderna. Há quem diga também que os artistas e os loucos são irmãos consangüíneos, que esquizofrenia e arte, delírio e inspiração são frutos do mesmo impulso.
A melhor declaração neste sentido, nos foi dado pelo pintor catalão Salvador Dalí: "A única diferença entre mim e o louco, é que eu não sou louco". Vários artistas consagrados passaram por manicômios e muitos jamais retornaram de lá, como a escultora
Camille Claudel, cuja obra esteve exposta, em 1998, nas principais capitais do País. O pintor flamengo Hieronimus Bosch (muito bom*), considerado por muitos o pai do surrealismo, deixou várias telas cuja temática era a loucura. No acervo do Museu do Prado, em Madri, encontram-se as suas melhores obras, dentre elas, o quadro A Extração da Pedra da Loucura. "Bosch teve a audácia de pintar o homem tal como ele é em seu interior, enquanto os demais se restringiam às aparências". Não há registros de que ele tenha tido distúrbios mentais durante sua profícua existência, no entanto, não se pode dizer o mesmo de outros artistas.

Vicent van Gogh, o mais celebrado de todos, na atualidade, passou boa parte de sua vida se tratando com médicos psiquiatras, que não o entendiam nem sequer reconheciam o seu gênio. Artaud, cuja originalidade de expressão se situava em "estados cada vez mais perigosos do ser", provou na carne o internamento psiquiátrico. No Brasil, Arthur Bispo do Rosário é o exemplo mais clássico da consangüinidade entre esquizofrenia e arte. Trancafiado no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, onde passou 50 anos de sua vida, Bispo criou uma obra sem precedente no País e talvez na própria história da arte. A lista de artistas geniais que enfrentaram fases de sérias perturbações mentais é vastíssima: Nijinsky, Qorpo Santo, Dostoievsky, Baudelaire...

Localizado no Rio de Janeiro, o Museu do Inconsciente é a prova cabal de que os manicômios estão repletos de gênios. Nas últimas décadas, viveram lá nomes como Fernando Diniz, Rafael, Carlos, Emygdio e muitos outros. O acervo é incalculável. O Museu foi criado pela Dra. Nise da Silveira e inovou no tratamento aos loucos. Ao invés de torturá-los com eletrochoques, buscou-se a cura por intermédio da arte. Jung, que visitou o Museu, teria dito a ela: "Se você não estudou os temas míticos, nunca poderá entender a pintura de seus doentes". É que, para Jung, os arquétipos míticos são de cunho universal, envolvem a realidade do homem e é por onde fluem as imagens do mundo esquizofrênico quando o ego se esfacela.

A Dra. Nise, por sua vez, achava que, somente as ocupações que servissem de meios individualizados de expressão, levariam à cura. O crítico de arte Mário Pedrosa visitou o Museu na década de quarenta e ficou admirado com a qualidade da produção plástica. "Uma das funções mais poderosas da arte é a revelação do inconsciente, e este é tão misterioso no normal como no anormal. As imagens do inconsciente são apenas uma linguagem simbólica que o psiquiatra tem por dever decifrar. Mas ninguém impede que essas imagens e sinais sejam, além do mais, harmoniosas, sedutoras, dramáticas, vivas ou belas, constituindo em si verdadeiras obras de arte".

por. Abelardo de Carvalho

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