"Prezado senhor Bukowski: Por que o senhor nunca escreve sobre política ou assuntos internacionais? M. K."
"Caro M. K.: Pra que? Feito, quais são as novas? - quem não sabe que o negócio está fervendo?" O nosso desvario surge no meio da maior calma, enquanto se fica olhando, à procura de fios de cabelo em cima do tapete - se perguntando o que é que poderia ter acontecido, porra, pra esse pessoal inventar de explodir o carrinho cheio de jujuba, com o cartaz do marinheiro Popeye colado do lado. Negócio seguinte: o sonho acabou e, depois, não sobrou mais nada. O resto é só marmelada pra general e banqueiro. Por falar nisso - acabo de ler que caiu outro bombardeiro dos E. U. A. carregado de bombas de Hidrogênio - DESTA vez no mar, perto da Islândia. Essa garotada anda muito descuidada com seus aviõezinhos de papel, ao mesmo tempo em que, SUPOSTAMENTE, me protege a vida. O Depto. De Estado diz que as bombas-H estavam "desarmadas". Sei lá o que significa isso. Ai então, se lê mais adiante que uma das bombas-H (perdidas) se abriu e espalhou um bocado de titica radioativa por tudo quanto é lado, ao mesmo tempo, em que supostamente me protegia a vida.
MUITO EMBORA eu não tivesse pedido nenhuma proteção. A diferença entre democracia e ditadura é que, numa, primeiro a gente vota e depois cumpre ordens, ao passo que na outra não é preciso perder tempo com eleições. Voltando à queda das bombas-H - há pouco tempo aconteceu coisa idêntica nas proximidades da ESPANHA. (estamos em tudo quanto é lugar, sempre pra proteger a vida.) mais uma vez, ficaram perdidas - êta brinquedinhos sem juízo. Levaram 3 meses - se não me engano - pra localizar e tirar a última que estava lá. Talvez tenham sido 3 anos. Essa última bomba - não é que a desgraçada inventou de ficar encravada num cômoro de areia, bem no fundo do mar? E cada vez que tentavam enganchar o troço, com o maior cuidado, se soltava e rolava mais um pouco pelo cômoro abaixo. A todas essas, aquela pobre população da cidade costeira se virava de um lado para o outro de noite na cama, imaginando que iria saltar pelos ares, por cortesia da bandeira americana. Claro que o Depto. De Estado dos E. U., em declaração oficial, garantiu que a bomba-H não dispunha de fuso de detonação, mas, enquanto isso, os ricos se mandaram pra outras paragens e os marinheiros americanos e o pessoal da cidade parecia nervoso a beça. (afinal de contas, se não fossem capazes de explodir, a troco de que andariam voando com elas por ai? Seria melhor que transportassem salames de 2 toneladas. Fuso de detonação quer dizer "faísca" ou "gatilho", sendo que "faísca" pode sair de qualquer lugar e "gatilho" significa "disparo", ou coisa semelhante, que acione o mecanismo de detonação.
AGORA a palavra que usam é "desarmado", que parece oferecer maior segurança, mas no fim dá no mesmo.) seja lá como for, tentaram enganchar a bomba, mas, como se diz, a danada era dura na queda. Depois ocorreram algumas tempestades submarinas e nossa trêfega bombinha foi rolando, cada vez mais, cômoro a baixo. O mar é uma coisa insondável, bem mais que os propósitos do governo. Por fim criaram um equipamento especial só para puxar a bomba pelo rabo e retiraram aquele troço do mar. Palomares, é isto mesmo, foi onde tudo isso aconteceu: Palomares. E sabem o que fizeram depois? A Marinha Americana apresentou um CONCERTO DE BANDA na praça municipal para festejar o resgate da bomba - já que o troço não era perigoso então todo mundo podia se esbaldar. É, e os marinheiros tocavam e a população espanhola ia escutando, até chegarem todos a um autêntico orgasmo coletivo, um imenso desabafo sexual e espiritual. não sei que fim levou a bomba que tiraram do mar. Ninguém (a não ser raros privilegiados) tampouco sabe e a banda continuava tocando, enquanto 1.000 toneladas de camada radioativa do solo espanhol foram despachadas para Aiken, Carolina do Sul, em recipientes lacrados. Sou capaz de apostar que o preço da armazenagem em Aiken, C. S., sai mais barato. Agora, portanto, as nossas bombas andam boiando e afundando, deladas e "desarmadas", lá pela Islândia. O que é que se faz quando a atenção do povo se volta para questões embaraçosas? Ora, muito simples: desvia-se atenção dele para outra coisa. O povo só tem capacidade para pensar numa coisa de cada vez. Feito, espiem só, esta manchete de 23 de janeiro de 1968: B-52 CAI PERTO DA GROELÂNDIA COM BOMBAS DE HIDROGÊNIO. DINAMAQUESES PROTESTAM. Dinamarqueses protestam? Ah, minha nossa! Seja lá como for, se repente, no dia seguinte, outra manchete: NORTE-COREANOS CAPTURAM NAVIO NA MARINHA AMERICANA. Oba, o patriotismo voltou! Ora, já se viu? Sacana de uma figa! E eu que pensava que AQUELA guerra tinha acabado! Ah, ah, saquei - os COMUNAS! Títeres coreanos! A legenda da telefoto da Associated Press diz mais ou menos o seguinte - O navio de reconhecimento dos E. U. Pueblo - ex-cargueiro do exército, atualmente convertido em embarcação de espionagem secreta da marinha, e que dispõe de aparelhagem monitora elétrica e equipamento oceanográfico, foi forçado a atracar no porto de Wonsan, perto da costa da Coréia do Norte. Esses comunas, chupadores de piroca, sempre enfunerando a gente por aí! Mas aí NOTEI que a história da bomba-H perdida tinha passado para uma coluna menor: "Radiação Detectada no Local da Queda do B-52; Rumores de Vazamento na Bomba." Contam que o presidente foi acordado mais ou menos às 2 da madrugada para ser informado do sequestro do Pueblo. Suponho que tenha voltado a dormir. Os E. U. dizem que o Pueblo se achava em águas internacionais; os coreanos afirmam que ele estava em águas territoriais. Um dos países está mentindo. De repente a gente se pergunta, mas pra que serve um navio de espionagem em águas internacionais? É o mesmo que andar de capa de chuva em dia de sol. Quanto maior a proximidade, melhor a transmissão e a compreensão da notícia.
Manchete: 26 de janeiro de 1968: OS E. U. CONVOCAM 14.700 RESERVISTAS DA AERONÁUTICA. As bombas-H perdidas na costa da Islândia sumiram por completo do noticiário como se o fato nunca tivesse acontecido. Enquanto isso:
O Senador John C. Stennis (democrata, de Missouri) declarou que a decisão do presidente Johnson (a convocação de reservistas da Aeronáutica) foi "necessária e justificada", e acrescentou, "espero que não hesite em mobilizar também os contingentes de reservistas das tropas terrestres." O líder da minoria no senado, Richard B. Russel (democrata, da Geórgia): "Em última análise, o nosso país deve exigir devolução do navio e da tripulação capturada. Afinal de contas, muita guerra importante começou com incidentes bem menos graves do que esse." O presidente da Câmara dos Deputados, John W. McCormack (democrata, Massachussetts):
"O povo americano tem que compreender que o comunismo está empenhado em conquistar o mundo. Existe um excesso de apatia em torno disso." Se Adolph Hitler fosse vivo, acho que gostaria muito de assistir o que está se passando. O que se pode dizer sobre política e assuntos internacionais? A situação de Berlim, a crise cubana, os aviões e navios espiões, o Vietnã, a Coréia, as bombas-H perdidas, o tumulto nas cidades americanas, a fome na Índia, os expurgos na China Vermelha? Existem bandidos e mocinhos? Quem sempre diga a verdade, quem nunca minta? Bons e maus governos? Não, existem apenas governos ruins e outros ainda piores. Haverá o clarão de luz e calor rachando a gente de cima a baixo numa noite em que se estiver trepando, cagando, lendo histórias em quadrinhos ou colando selos raros em álbum? A morte instantânea já não constitui nenhuma novidade, muito menos a morte instantânea em massa.
Mas aperfeiçoamos
NIZII, 10:52:05
terça-feira, 24 de julho de 2007
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